7 de maio de 2012
Vida de gado nos ônibus do Recife
As catracas (ou ‘roletas’)
dos ônibus do Recife degradam e constrangem a gente, ofendem a
cidadania: Passando por elas, é como se estivessem olhando e tratando a
gente como potenciais fraudadores e puladores de roleta. Como se
fôssemos sonegadores de um ‘vale A , vale B’. O escancarado modelo de
catracas é um acinte, é síntese emblemática de um desrespeito, um
atentado contínuo que vem de prioridades e de interesses que são
(digamos assim) ... nem tão coletivos. Esse ‘simples’ objeto (ou o
que ele representa: humilhação do povo), esse ponto não tem sido tocado
nem nas coberturas jornalísticas, nem nas divulgações oficiais em torno
das ‘mudanças’ nos transportes coletivos. Essas armações de metal são
modificações e prolongamentos das hastes originais das roletas. Elas
foram implantadas já faz tempo. Não vinham com esses
aros que hoje chegam a alcançar a altura do queixo de uma pessoa de
1,70 m, por exemplo. Nem se estendiam pra baixo até quase tocar o piso
do ônibus, rente ao chão. Aquelas catracas também não formavam um
conjunto que em muitos ônibus quase envolve a pessoa, num semicírculo
gradeado, um caminho estreito ( à semelhança de cercado - uma
porteira?...) onde uma pessoa é encurralada e detida num momento, para,
num momento seguinte, ser conduzida ao meio do ‘salão’ (o corredor do
ônibus), e continuando de pé, entre tantos outros, pois os assentos já
estão ocupados com lotação além da capacidad e indicada numa plaqueta
acima do parabrisa). (Claro que aqui nos referimos aos ônibus das
linhas que ‘fazem’ a maioria dos nossos bairros). Não
que a lembrança das catracas de antes sejam uma mera nostalgia do
passado, não que fossem uma maravilha: As atuais é que são bem pior: Em
vários coletivos, esta ‘grade’ começa na
porta de entrada – daí que às vezes se forma uma fila já nos degraus, o
motorista , o ‘chofer’, ali, acelerando e apurando a gente. Não,
estas roletas também não se equiparam àquelas outras dos primeiros
ônibus elétricos: Parecidas com um grande triângulo de pernas abertas e
oblíquas que se limitavam a registrar a passagem, constituindo espaço
suficiente para que um menino, ou mesmo um adulto (do tipo físico médio
da gente) pudesse passar por elas de banda, sem que elas girassem. Mais
dignamente espaçosas para que crianças dispensadas de pagar passagem,
por idade e tamanho, não tivessem que se deitar e rastejar para
atravessá-las. Crianças que aprendem desde cedo que o ‘natural’ da
vida é a resignação, o abaixamento e essa adaptação calada até por força
do hábito e da tradição. Passar pela catraca é um instante , no
mínimo, de desconforto, que sentimos quando levamos uma bolsa a mais, um
embrulho, uma
sacola; ou se estamos vestidos com mais roupas, ou se o corpo não for
muito franzino ( um homem de 1,70 que pese 70 kg., por exemplo, é capaz
de entender na pele o que isso quer dizer). Ah, essas catracas de
hoje... não são como as de antigamente, não são modernas, apesar do
tempo (que tempo nem sempre significa evolução e progresso). E, no
entanto, as catracas atuais e seus interesses não são atingidos: Pelo
contrário, estão por aí, soltas, sozinhas, girando ainda mais, máquinas
de contar gente, numa posição reforçada graças a um curioso continuísmo
que resolveu mexer antes com o que é secundário, o menor problema; mas
não encontrou energias e fluidos para bulir com o que é o Principal. Ou -
aéreo ou inocente -, neste ponto não meditou tanto assim. (Estas
observações partem deste internauta que também faz uso do transporte
público. Não partem por ouvir dizer, nem é daqueles e daquelas que
discursam por
conveniências em determinadas épocas). E sabe de uma coisa?
Maçante é informar que estas são percepções que não vêm de um
simpatizante ou eleitor do ‘outro lado’, nem de pessoa vinculada aos
kombeiros. Vida de gado nos ônibus do Recife. Ontem e hoje. Povo marcado. Foto: web. Humberto Cavalcanti. Recife/PE.
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